Para quem tem curiosidade em ler a outra versão do homem pelo qual a Republica Portuguesa decretou três dias de luto, deixo aqui a tradução de um texto publicado por Bernard Lugan, historiador francês especializado em assuntos relacionados com o continente africano.
1) Aristocrata xhosa da linha real dos Thembu, Nelson
Mandela não era um «pobre negro oprimido». Com uma educação europeia
proporcionada por missionários metodistas, começou os seus estudos superiores
em Fort Hare, universidade destinada aos filhos das elites negras,
completando-os em Witwatersrand, no Transvaal, o coração do que era na altura o
«país boer». Instalou-se de seguida como advogado em Joanesburgo.
2) Não era bem o gentil reformista que a imprensa lamechas
gosta de tratar como «arcanjo da paz», lutando pelos direitos do homem como um
novo Gandhi ou um novo Martin Luther King. Com efeito, Nelson Mandela foi acima
de tudo um revolucionário, um combatente, um militante que pôs «a sua pele
antes das suas ideias», não hesitando em derramar o sangue de outros e a
arriscar a sua própria pele.
Foi um dos fundadores
do Umkonto We Sizwe, «a ponta de lança da nação», braço armado do ANC, que
co-dirigiu em conjunto com o comunista Joe Slovo, planeando e coordenando mais
de 200 atentados e sabotagens pelos quais foi condenado a prisão perpétua.
3) Não foi o homem que permitiu uma transição pacífica de
poder entre a «minoria branca» e a «maioria negra», evitando um banho de sangue
na África do Sul. A verdade é que foi levado ao poder pelo presidente De Klerk,
que aplicou à letra o plano de resolução da questão da África austral definido
por Washington. Pelo caminho Mandela traiu todas as promessas feitas ao seu
povo, tais como:
- Desintegrar o exército sul-africano, com o qual o ANC não
era capaz de lidar;
- Impedir as criação de um Estado multi-racial
descentralizado, alternativa federal ao jacobinismo marxista e dogmático do
ANC;
- Travar as negociações secretas mantidas entre Thabo Mbeki
e os generais sul-africanos, negociações que envolviam o reconhecimento, pelo
ANC, de um Volkstaat em troca do abandono da opção militar pelo general
Viljoen.
4) Nelson Mandela permitiu o esgotamento das fontes
sul-africanas de leite e mel e o fracasso económico do país é hoje total.
Segundo o Relatório Económico Africano para o ano 2013, redigido pela Comissão
Económica da ONU para África e pela União Africana para o período 2008-2012, a
África do Sul é classificada como um dos cinco países «com pior desempenho» do
continente, em função do crescimento médio anual, apenas à frente das Comores,
Madagáscar, Sudão e Suazilândia.
Segundo dados
oficiais, o desemprego atingiu 25,6% da população activa no segundo trimestre
de 2013, embora na realidade ultrapasse os 40%. Os rendimentos do segmento mais
pobre da população negra, que representa mais de 40% da população sul-africana,
é actualmente 50% inferior ao valor verificado no regime branco anterior a 1994.
Em 2013, quase 17 milhões de negros numa população de 51 milhões de habitantes
só garantiram a sua subsistência graças a ajudas sociais, denominadas Social
Grant.
5) Nelson Mandela falhou também politicamente e o ANC
acumula hoje graves tensões entre etnias Xhosa e Zulu, entre doutrinários
pós-marxistas e tecnocratas capitalistas, entre africanistas e apoiantes de uma
linha «multi-racial». Da mesma forma, um conflito de gerações opõe a velha
guarda composta por «Black Englishmen» e os jovens lobos que defendem uma
«libertação racial» e o confisco dos agricultores brancos, tal como foi levado
a cabo no Zimbabwe.
6) Nelson Mandela não pacificou a África do Sul, país que
actualmente se encontra entregue à lei da selva, com uma média de 43 homicídios
diários.
7) Nelson Mandela não facilitou as relações inter-raciais.
Entre 1970 e 1994, ou seja 24 anos, enquanto o ANC estava «em guerra» contra o
«governo branco», foram assassinados cerca de 60 agricultores brancos. Desde
Abril de 1994, data da chegada ao poder de Nelson Mandela, mais de 2000
agricultores brancos foram massacrados perante a total indiferença da imprensa
europeia.
8) Por fim, o mito da «nação arco-íris» estilhaçou-se
perante as realidades regionais e étnico-raciais e o país está hoje mais
dividido e fragmentado do que nunca, fenómeno que é visível em cada eleição,
quando o voto é claramente «racial»: negros votam no ANC, brancos e mestiços
votam na Aliança Democrática.
Em menos de 20 anos,
Nelson Mandela, presidente da República entre 10 de Maio de 1994 e 14 de Junho
de 1999, e os seus sucessores, Thabo Mbeki (1999-2008) e Jacob Zumba (desde
2009), transformaram um país que foi em tempos uma excrescência europeia na
extremidade austral do continente africano num Estado de «terceiro mundo» à
deriva num oceano de carências, corrupção, miséria social e violência,
realidade em parte ocultada por alguns sectores de grande desempenho, mas cada
vez mais reduzidos, na maior parte dirigidos por brancos.
Poderia ser de outra
forma quando a ideologia oficial é baseada na rejeição da realidade, no mito da
«nação arco-íris»? Esse «chamariz» destinado à imbecilidade ocidental impede
ver que a África do Sul não constitui uma nação, mas antes um mosaico de povos
reunidos pelo colonizador britânico, povos cujas referências culturais são
estrangeiras, e em alguns casos irreconciliáveis, para uns e outros.
O culto planetário e
quase religioso que hoje foi prestado a Nelson Mandela, o hino ultrajante
cantado por políticos oportunistas e jornalistas incultos ou formatados não vai
mudar esta realidade."
Bernard Lugan
Adenda: O texto original pode ser encontrado aqui:bernardlugan.blogspot.com